quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

.ciranda


"Ouça, querida - disse-lhe Otávia certa vez -, não fique assim com essa mentalidade de donzela folhetinesca, não separe com tanta precisão os heróis dos vilões, cada qual no seu lado, tudo muito bonitinho como nas experiências de química. Não há gente completamente boa nem gente completamente má, está tudo misturado e a separação é impossível. O mal está presente no próprio gênero humano, ninguém presta. Às vezes a gente melhora. Mas passa. [...]

Ouça, Virgínia, é preciso amar o inútil. Criar pombos sem pensar em comê-los, plantar roseiras sem pensar em colher rosas, escrever sem pensar em publicar, fazer coisas assim sem esperar nada em troca. A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas. Este céu que nem promete chuva. Aquela estrelinha que esta nascendo ali... Está vendo aquela estrelinha? Há milênios não tem feito nada, não guiou os Reis Magos, nem os pastores, nem os marinheiros. Não fez nada. Apenas brilha. Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil. Pois é preciso amar o inútil porque no inútil esta a Beleza. No inútil esta Deus.

Virginia apertou o ramo de rosas contra o peito. Inútil é o amor que eu tenho por você, quis dizer-lhe.
Não disse".

Lygia Fagundes Teles, Ciranda de Pedra.

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